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Um guia com os melhores vinhos da Serra da Mantiqueira para degustar



Daniela Filomeno


A região limítrofe entre o sul de Minas Gerais e São Paulo pode ser considerada como a nova fronteira produtora de alguns dos melhores vinhos do país. É aos pés da Serra da Mantiqueira que vinícolas se estabeleceram e elaboraram, junto da tecnologia e da obstinação, vinhos finos que têm colocado o Brasil na rota mundial da bebida. E é para lá que fui com o CNN Viagem e Gastronomia*.


Tradicional zona cafeeira, a região possui altitudes elevadas e temperaturas amenas com clima agradável o ano todo, o que proporciona uma excelente mescla para o cultivo de uvas. Ali, elas encontram um solo fértil e clima propício para seu desenvolvimento. Tudo mudou também com a introdução da dupla poda – ou poda invertida: a técnica “engana” o parreiral, em que se inverte o ciclo natural da planta e colhe-se no inverno, driblando os períodos chuvosos.


A tecnologia brasileira, fruto dos estudos do engenheiro agrônomo Murillo Regina junto da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), facilitou a instalação de várias vinícolas pela região – e reavivou outras. Em minha imersão pela Mantiqueira, em que acompanhei todo o processo da produção de um vinho até ele chegar às nossas taças, degustei não somente um, mas vários dos melhores rótulos atuais do país.


Junto de empresários, enólogos e até de Manoel Beato, um dos maiores sommeliers do Brasil, apreciei vinhos em sua maioria tintos e brancos, feitos predominantemente com as uvas syrah e sauvignon blanc – descobri que as duas se adaptaram de forma exemplar na Mantiqueira.


Daniela Filomeno e Manoel Beato fazem degustação de vinhos produzidos na Serra da Mantiqueira (Foto: CNN Viagem & Gastronomia)

A comparação é inevitável, mas o recado é claro: são vinhos que nada têm a perder aos estrangeiros. Possuem muita personalidade, intensidade e deixam um legado em cada retrogosto: a paixão pela bebida.


Pois brindemos aos vinhos da Mantiqueira! E quer saber quais os melhores da região? A seguir, destaco brevemente a história de algumas vinícolas da serra e trago em detalhes os melhores rótulos degustados ao lado do Manoel Beato no nosso programa:


Barbara Eliodora (São Gonçalo do Sapucaí/MG)

É a 3h30 de São Paulo, na pequena São Gonçalo do Sapucaí (MG), que saem os ótimos vinhos finos da vinícola Bárbara Eliodora. Com a dupla poda, o método tem aberto novas oportunidades para vinícolas brasileiras dominarem a produção. Assim, as uvas da propriedade são colhidas no inverno, proporcionando sabores, aromas e sensações singulares. São três vinhos comercializados pela vinícola atualmente, todos secos: tinto e rosé, ambos da uva syrah; e branco, de sauvignon blanc.


Degustando os vinhos dá para perceber que a localização privilegiada da vinícola, numa faixa de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado Mineiro, deixa as bebidas bem especiais, com excelência em sabor, harmonia e aroma.


É o caso do Sauvingon Blanc 2019: é leve, com um aroma herbáceo e frutado. Um vinho que remete a maracujá e sabores cítricos, bem perfumado e expressivo. Vai muito bem com aperitivos e pude apreciar seus toques secos com boa acidez. Experimentei também o Syrah 2019, um vinho tinto de cor forte e aroma de frutas vermelhas, com leves toques de especiarias. É bem equilibrado, intenso e possui bom corpo, casando bem com queijos, massas de molho vermelho, pizzas e carnes.


Curiosidade: o nome do local é uma homenagem a Bárbara Heliodora, inconfidente e poetisa mineira que se estabeleceu ali em São Gonçalo até 1819. Como uma ode à Bárbara, os vinhos são como poesia para o paladar, que carregam histórias e aromas do sul de Minas.


Casa Verrone (Itobi/SP)

A Casa Verrone completa cinco anos da primeira produção em 2021. Sua história começou em 2000 a partir do interesse por vinhos de Marcio Verrone, fundador da vinícola, que viajou pelo mundo em busca de mais conhecimento sobre a bebida. Assim, nove anos depois foram plantadas as primeiras videiras na atraente propriedade em Itobi. Após o sucesso inicial com a qualidade da produção, a área foi ampliada e, atualmente, soma cerca de 12 hectares plantados de videiras europeias.


Os brancos e o Gran Speciale são as minhas duas linhas de vinhos prediletas da casa. Em minha imersão no enoturismo da Mantiqueira degustei o Sauvignon Blanc 2020 da casa, colheita de inverno que possui toques chamativos florais, como aroma de arruda. Por ser mais intenso, o bacana é apreciá-lo com frutos do mar. Já o Gran Speciale vale a pena pelo custo-benefício, sendo um tinto de coloração vermelho rubi intenso, com um perfume inigualável.


A produção da Verrone é agraciada por uma amplitude térmica que promove o bom desenvolvimento das uvas: as máximas variam entre 25°C e 30°C durante o ano, e a média das mínimas cai para cerca de 10°C no inverno. O clima é amenizado pela localização geográfica do vale do Rio Pardo, entre as montanhas da Serra do Cervo – braço da Serra da Mantiqueira.


Casa Geraldo (Andradas/MG)

Quando o assunto é enoturismo no Brasil, não há como não falarmos da Casa Geraldo. A vinícola, que começou sua trajetória em 1969, é responsável hoje por cerca de 80% do volume de vinhos de Minas Gerais e consta como a maior vinícola da região e uma das maiores do estado.


Tudo começou com a imigração italiana dos tataravós dos irmãos Marcon, quinta para a sexta geração de produtores que atualmente estão à frente da empreitada. Porém o negócio se intensificou somente com o avô, Geraldo Marcon – em que a vinícola ganhou seu nome. Ali, antes, as uvas eram predominantemente de mesa, o que mudou com a chegada da poda invertida, em que a vinícola deu um passo em sua produção.


Agora, os vinhos finos da colheita de inverno não somente agradam o público em geral mas também aqueles mais exigentes. Uma sala com mais de 100 barricas na propriedade em Andradas guarda os grandes vinhos de suas linhas. O Alma Sauvignon Blanc é um dos exemplos: é um vinho fino branco seco, de cor amarelo claro, que expressa requinte e leveza. De aroma que remete à frutas tropicais, é bem harmonizando muito bem com peixes e queijos mais ácidos.


O Casa Geraldo Cabernet Sauvignon 2013 é igualmente marcante. De cor intensa e tonalidade vermelho rubi, seu aroma apresenta notas típicas, como cerejas e pimenta preta, além de aromas tostados como café e chocolate por conta do amadurecimento nos barris. Na boca, é um vinho persistente, o que o torna ainda mais especial.


Maria Maria (Boa Esperança/MG)

Já pensou em tomar uma taça de vinho por dia? Foi o que o médico de Eduardo Junqueira Junior, da quinta geração de uma família de cafeicultores de Minas, receitou após o profissional sofrer um ataque cardíaco em 2006. Junto dos conhecimentos de Murillo Regina, criador da dupla poda, ele concretizou a vontade de produzir a própria bebida e viabilizou o projeto na Fazenda Capetinga, em Boa Esperança (MG).


Videiras de syrah foram plantadas por ali no final de 2009 e, hoje, a vinícola produz quatro tipos de vinho: tinto, branco, rosé e espumante, em que as principais uvas usadas são syrah, cabernet sauvignon, sauvignon blanc e chardonnay.


O Maria Maria Donita Gran Reserva Syrah/Cabernet Sauvignon 2017 é um dos melhores vinhos brasileiros e entrou para minha lista de favoritos. É uma mescla deliciosa entre as uvas syrah e cabernet sauvignon que pude experimentar em minha viagem à Mantiqueira. Possui um teor alcoólico que passa dos 14%, exalando um aroma mais puxado para um licor de frutas. É um vinho de forte personalidade e de produção limitada – o primeiro da vinícola que passou por barricas de carvalho francês.


O Maria Maria Fernanda Sauvignon Blanc 2020 é igualmente prazeroso. Aromático, nele, predominam notas herbáceas e de frutas que remetem ao maracujá, contendo toques cítricos e bem frescos. Bem apetitoso para dias mais quentes.


Uma curiosidade: cada vinho da vinícola leva o nome de uma mulher ligada à família do fundador. O nome Maria Maria também é inspirado na música do talentosíssimo Milton Nascimento, que é natural de Três Pontas, município bem próximo à fazenda onde são plantadas as uvas.


Degustação de vinhos produzidos na Serra da Mantiqueira (Foto: Daniela Filomeno)

Guaspari (Espírito Santo do Pinhal/SP)

A Guaspari é uma das mais renomadas vinícolas brasileiras, um grande projeto que foi se afeiçoando com o tempo em uma antiga fazenda de café em Espírito Santo do Pinhal. Enxergo a Guaspari como um verdadeiro laboratório, com testes de diferentes varietais, onde as uvas são tratadas com o máximo respeito e a produção de vinhos segue uma qualidade ímpar.


A vinícola fica entre 1.000m e 1.300m de altitude, em que a insolação durante o dia e as noites fresquinhas garantem produtos similares às regiões europeias. A Guaspari investiu pesado em tecnologia e na técnica da poda invertida e vem colhendo resultados.


Em minha passagem por ali pude saborear dois vinhos que estão na minha lista de favoritos do Brasil. Um deles é o Vista do Lago Chardonnay 2018: ele é equilibrado de uma qualidade ímpar, bem diferente dos outros chardonnays que já havia tomado. Toques de baunilha, de manteiga e um tostado muito leve complementam sua estrutura. É um vinho que ainda pode envelhecer muito e vai ficando melhor com o passar dos anos.


O outro é o Vista da Serra Syrah 2018, intenso na cor e nos aromas, que revelam frutas vermelhas e um leve tostado. Sua boa acidez e equilíbrio são pontos altos, sendo agradável no paladar. Recomendo muito sua degustação! Igual ao Chardonnay, é um vinho que possui longa vida na garrafa.


A sede da vinícola, inclusive, está muito bem preparada para receber visitantes: além da degustação local, pode-se conhecer os lindos vinhedos – que possuem vistas incríveis para a região da Mantiqueira – ao lado de técnicos e enólogos. Um piquenique agendado ainda coroa a experiência enogastronômica no local.


Stella Valentino (Andradas/MG)

A Stella Valentino carrega uma história centenária que atravessa gerações na região da Mantiqueira. Valentino Stella imigrou de Vêneto, na Itália, para estas terras, onde iniciou a plantação de uvas para fazer vinhos para consumo próprio. Assim, já são 111 anos de tradição na plantação de uvas e mais de cinco gerações familiares ligadas à fruta.


Foi em 2002 que a família retomou a produção de vinhos finos, agora com auxílio também da técnica da poda invertida, que possibilitou um vinho com mais álcool natural e aliou o terroir da região. Ali, então, une-se a tradição com o novo, em que a uva tempranilla, comum na Espanha, alçou os voos da vinícola. Quem representa a Stella Valentino hoje é José Procópio, engenheiro agrônomo tetraneto de Valentino.


Dois rótulos chamam atenção, o olfato e o paladar de quem os aprecia. Falo do Tempranillo Gran Reserva 2019, vinho de colheita inverno de intensa cor rubi e aromas de frutas negras que casam muito bem com a madeira de carvalho em que foi envelhecido por 12 meses.


Meu outro destaque vai para o Sauvignon Blanc Safra 2020, que possui alta porcentagem alcoólica (14%) mas consegue ser ao mesmo tempo muito bem estruturado e límpido, sendo um ótimo vinho para o dia a dia e que harmoniza com aves, massas de molho branco e saladas.


Terra Nossa (Santo Antônio do Jardim/SP)

A região da Serra Mantiqueira oferece aos consumidores vinhos bem frutados, com bons corpos e de personalidade intensa. Ou seja, vinhos únicos no mundo. E assim são também os produzidos pela Terra Nossa na pequena Santo Antônio do Jardim, próxima a Espírito Santo do Pinhal.


Nascido pelas mãos de cinco amigos-sócios amantes da bebida, entre eles o conceituado enólogo Cristian Pulveda e o paisagista Roberto Ferrari, o negócio começou com uma pequena produção de vinhos para a família e amigos e não possui pretensão de ser grande, mas sim de oferecer uma qualidade excepcional para clientes e também auxílio a outros projetos iniciantes.


Por enquanto, a vinícola possui três produtos: um Syrah 100% e um Rosé de Syrah, ambos da linha Profano, que não passam por madeira; e um último produto premium, o Syrah Clássico, mais elaborado, que fica entre 12 e 14 meses em barricas de carvalho francês e outros dois anos engarrafado.


Os três vinhos são de alta qualidade e possuem uma identidade irreprodutível em outros lugares. Ao lado de Cristian Pulveda, experimentei as bebidas e destaco aqui dois dos vinhos, que também já entraram na minha lista de prediletos. Um deles é o Clássico Rosé 2020: feito 100% de syrah, é um vinho bem leve e simples, mas cheio de alma. Ele é frutado e refrescante, com aroma de morango e até framboesa. É quase um vinho de piscina, ideal para os finais de tarde.


O segundo que destaco da Terra Nossa é o Clássico Syrah 2018, tinto de uma intensidade sem igual. Dá para perceber o uso da fruta bem madura junto de especiarias: tem notas de pimenta preta e frutas negras, sendo, no mínimo, bastante instigante.


Vinhos Primeira Estrada (Três Corações/MG)

É o grande pioneiro no uso da técnica da poda invertida em sua produção. O rótulo é desenvolvido na cidade mineira de Três Corações pela Vinícola Estrada Real, que foi fundada em 2001 pelo próprio criador do método, Murillo Regina, e outros três sócios.


“Paixão, seriedade e valorização do trabalho humano” são lemas seguidos à risca na elaboração dos vinhos de inverno da vinícola, produzidos entre 900 e 1.100 metros de altitude. Tal devoção pode ser apreciada quando abre-se um dos seus vinhos – que exalam equilíbrio e frescor.


Destaco dois deles, que também saboreei em minha visita à Mantiqueira: o Primeira Estrada Syrah Gran Reserva 2018, que recebeu o prêmio de melhor syrah em 2020 na competição Wines of Brazil Awards, e o Primeira Estrada Chardonnay 2020. O primeiro passou por 12 meses em barrica e é de uma cor escura que chama atenção, assim como os aromas de frutas negras e pimenta. Na boca, possui um frescor ótimo e o sabor da fruta fica ainda mais saboroso.


Já o Chardonnay também é bem apetitoso. Amanteigado, ele exala cheiro de uma fruta mais madura, com destaque para frutas brancas, acompanhando muito bem peixes brancos e saladas bem refrescantes. Mais um gol para o Brasil!


Perdeu o programa? Confira na íntegra no nosso canal do YouTube:


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