Reproduzido de https://www.istoedinheiro.com.br/um-exemplo-para-todos-os-vinhos-brasileiros-de-inverno
Celso Masson
A dica foi do Fabio Giordan, dono do Espaço Bambu, em Casa Branca (SP), refúgio que combina restaurante com escola de gastronomia, pousada e, agora, duas quadras de beach tênis. “Você precisa conhecer o sr. Procópio. Ele produz os melhores vinhos de inverno de todos. Uma história de 110 anos. Coisa mais linda do mundo”, disse Fabio, referindo-se ao agrônomo e vitivinicultor cuja família iniciou o plantio de uvas em 1910, em Andradas (MG). Fui até lá conhecer as histórias desse senhor de 70 anos e provar alguns rótulos da vinícola Stella Valentino, cujo nome homenageia seu avô, Valentino Stella.
Em duas horas de conversa, ele relembrou toda a saga de seus ancestrais (e a sua própria) no mundo do vinho. Destacou os episódios que contribuíram para a evolução da qualidade da bebida na região da Mantiqueira, especialmente a técnica da dupla poda, que permite a colheita de inverno. E deixou claro que ainda tem muitos planos para o futuro. O primeiro deles é a vinícola própria, que entra em operação no mês de junho. “Por enquanto, todos os nossos vinhos são feitos na Epamig, em Caldas (MG). Mas já a safra deste ano será vinificada aqui”, afirmou Procópio. Outro projeto é a reforma de um dos pavimentos da casa em que seus avós e pais viveram. O espaço será adaptado para receber melhor os turistas, incluindo o que ele chama de “uma adega moderna”.
O plano de investir no enoturismo faz todo sentido. Com a nova vinícola e a centenária casa ajeitada, a experiência dos visitantes será muito mais prazerosa. “Aqui não temos nenhum luxo, nada de vidro fumê. Nosso objetivo não é ganhar dinheiro, embora o dinheiro seja importante aprimorar nossos vinhos e vinhedos”, disse Procópio. Agrônomo de formação, ele é um apaixonado pelo cuidado com as uvas. Sua coleção de cerca de 60 variedades é tratada com o dedicação de um jardineiro e também com todo rigor científico. Ele avalia os parâmetros de cada cepa por um período de quatro anos, incluindo a curva de maturação das uvas, antes de iniciar a vinificação. Trabalha com variedades híbridas, como a tinta Maximo e a branca Lorena, e também com viníferas, com destaque para a Syrah, tão bem adaptada às safras de inverno da Mantiqueira, e a Tempranillo, uma novidade na região. É dela que extrai seu melhor rótulo, o Grand Reserva (R$ 160), que na safra 2019 rendeu apenas 1821 garrafas numeradas.
As safras de inverno são possíveis devido à poda invertida ou dupla poda, técnica que permite adiar a colheita para os meses mais frios e secos do ano, o que aumenta a concentração de açúcares e de outros componentes químicos que dão maior estrutura e qualidade às uvas. Mais açúcar resulta em mais álcool após a fermentação. No caso do Tempranillo Grand Reserva 2019 da Stella Valentino, são 14,3% de álcool, o que é classificado como vinho nobre pela legislação brasileira.
Extremamente equilibrado, com estrutura para evoluir por dez anos ou mais até chegar ao apogeu, esse Tempranillo já pode ser perfeitamente bebido como está. “Tive muita dificuldade para encontrar mudas de Tempranillo. O Murillo Regina não se interessava por essa variedade, só agora ele está produzindo, com clones trazidos da França”, disse Procópio, referindo-se ao pesquisador da Epamig e sócio da Vitacea Brasil, empresa que fornece mudas para dezenas de produtores brasileiros. Procópio encontrou a variedade na Rasip, empresa do grupo Randon, que atua em diversos segmentos do agronegócio e de implementos rodoviários.
Como a produção é artesanal (e minúscula), encontrar os vinhos da Stella Valentino fora de Andradas não é fácil. Procópio fornece para algumas pousadas, como a Famiglia Barthô, em Espírito Santo do Pinhal (SP), e o Espaço Bambu. Ainda que beber esses vinhos seja um privilégio de poucos, a dedicação e o carinho desse produtor devem servir de exemplo para quem busca um lugar no já competitivo mundo dos vinhos de inverno do Brasil.
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