Adriana Dias
12/7/2021
A região de Passos é conhecida, internacionalmente, como uma das maiores produtoras de leite e de cafés, mas o cenário vem mudando com a diversificação nos plantios. O mais recente e que tem chamado a atenção é a plantação de uvas viníferas e que já teve a primeira safra para a produção do vinho fino Quinta do Canário, do empresário e advogado Giovani Maldi de Melo. A primeira produção em 2021, em Passos, será de, aproximadamente, três mil garrafas, das variedades Syrah, uva tinta, e Syrah Viognier, que é uma uva branca. Mas a produção deve chegar a 12 mil garrafas em cinco anos.
A plantação teve início em 5 de novembro de 2018, quando foi cultivada a primeira vinha da tão planejada vinícola. Inicialmente foram cultivadas 4.200 mudas das consagradas variedades Syrah (tinto) e Viognier (branco), que serviram de matéria-prima para vinhos artesanais de altíssima qualidade. Atualmente já são 10.200 pés ao todo, em quatro talhões, também com as viníferas francesas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot, que entrarão em produção já no próximo ano.
Tanto a Syrah quanto a Viognier são uvas viníferas europeias e que se mostravam como excelentes cultivares nas férteis terras da Quinta do Canário, fazendo parceria com a Quinta do Café, produção de grãos especiais para exportação, na região dos Campos, em Passos. Após visitar vários vinhedos tanto no Brasil – no Rio Grande do Sul, outros no Estado de São Paulo -, quanto em outros países, o empresário que é apaixonado por vinhos, decidiu iniciar o plantio e a produção do vinho.
“Visitamos também o próprio vinhedo dos nossos enólogos consultores, que é a consultoria Terra Nossa, de Espírito Santo do Pinhal, no Estado de São Paulo e decidimos abrir o nosso vinhedo. Até onde sabemos, na história de Passos, somos pioneiros como plantio de uvas para vinho e, principalmente, produção de vinho nobre”, afirmou Maldi.
Reiterando a informação do ineditismo no plantio comercial na região, o extensionista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Paulo César Stripari, informou que esta é a primeira plantação de uvas de Passos.
“Além de ser a primeira plantação de uvas, historicamente, é inédita para a produção de vinhos. Na região temos em Fortaleza de Minas com vinho de mesa, também em São João Batista do Glória, na região dos Canteiros, mas uma produção pequena e como plantio para consumo em Alpinópolis. Até então só soubemos de plantio em quintais, nada como a instalação que o empresário vem trabalhando”, afirmou Stripari.
Mudança
Giovani Maldi de Melo trabalhou de 2007 a 2010 no ramo de bebidas, na Cervejaria Petrópolis.
“Fiquei na coordenação do departamento jurídico, depois em 2011 eu fui para o Conselho de Administração e fiquei de 2011 a 2017 no Conselho da Cervejaria Petrópolis. Mas, paralelamente a isso, eu tinha meus projetos, o escritório de advocacia em São Paulo, e em 2017 eu decidi tocar novos projetos, voltados à agricultura. A fazenda aqui originariamente é de produção de café e a gente também preza pela qualidade do café, que é alta qualidade para exportação”, informou.
Também já está em planejamentos a Quinta da Canastra, em parceria com outros empresários passenses e que, em breve deve iniciar a plantação de uvas em uma fazenda em Delfinópolis. Questionado sobre quando e como surgiu a ideia de mudar tão abruptamente de ramo, da advocacia para a vinicultura, Giovani Melo, contou que foi em conversa entre amigos.
“Gosto muito de vinho, vinho é uma paixão, mais até do que a cerveja, é um mundo apaixonante, um mundo muito interessante, é uma ciência milenar a produção de vinho. Que é muito trabalhosa e custosa, é muito caro. E, outra dificuldade também é encontrar as pessoas certas. Os insumos são importados. Para se ter uma ideia, o elástico que amarra a rama é importado. A rolha é portuguesa. A garrafa também é importada, é chilena”, contou.
Vinhedo de inverno
O vinhedo da Quinta do Canário é de inverno. A produção tradicional é o vinho de verão.
“No Rio Grande do Sul e em outros países do mundo, têm a produção normal da planta, a planta produz no verão. Porque nós conseguimos a produção de vinhos de boa qualidade aqui na região sudeste, São Paulo, sul de Minas? Porque existiu um enólogo cientista que se chama Murilo Regina da Epamig que importou uma técnica da França, salvo engano, que é a dupla poda. Então, no período em que ela deveria estar produzindo, que é o verão, você poda e põe ela a adormecer e traz para produção no inverno. O nosso verão é muito úmido, mas o inverno traz condições ideais para as uvas de excelente qualidade, com boa amplitude térmica, dias quentes e noites muito frias, alta luminosidade e baixa umidade”, disse.
Blend em 2021 terá as duas uvas
Na produção inicial das três mil garrafas, o vinho Quinta do Canário, safra 2021, também terá um blend de 95% da uva Syrah e 5% da Viognier.
“Esse é um blend que já é estudado e é fantástico, é um corte fantástico, fica muito bom, muito bom. Fica 12 meses descansando em barrica de carvalho francês, que confere ao vinho uma característica especial. A barrica é uma das responsáveis pela característica no vinho. É justamente ela dá o amadurecimento no vinho, mas é necessário que após a temporada na barrica ele tenha um descanso em garrafa, que fique em amadurecimento na garrafa”, explicou Melo.
O vinho da degustação no dia da entrevista ficou por sete meses de descanso em garrafa, de maturação em garrafa, se tornando um vinho muito equilibrado.
“Ele fica mais apurado ao paladar, não tem adstringência, é um vinho de uvas muito equilibradas, é um vinho que não deixa a desejar para nenhum internacional”, disse o empresário, o que foi conferido e confirmado pela reportagem.
O vinho Quinta do Canário, já com a logomarca, que foi desenvolvida pela filha do empresário, a estudante de Arquitetura e Urbanismo, Victória Maldi que também desenvolveu e criou a rolha que já está sendo usada na Safra 2019.
“O rótulo já vem na próxima safra de 2021. Esse, 2019, a gente preferiu nem rotular, porque não é um vinho de venda, não é um vinho de comércio, é um vinho que a gente tem para servir para os nossos amigos, para degustação. Mas, já na próxima safra será inteiramente comercial, sendo uma média de R$180 a garrafa de 750 ml”, explicou.
Terroir
Questionado sobre a qualidade da terra da região para o plantio de uvas viníferas, Giovani Maldi de Melo salientou que o “terruá” em suas terras é especial para a plantação.
“O terroir ou aportuguesado terruá, que é o conjunto de características do local, tem conferido a qualidade do fruto. Nós temos um solo muito rico. Mas, como somos pioneiros vamos saber a partir das análises de laboratório, mas a expectativa é das melhores. Até agora, as análises de laboratório das nossas uvas estão em perfeita sintonia com a qualidade que a gente precisa. De quinze em quinze dias temos feito a análise, e próximo à colheita, que vai ser no finalzinho de julho, começo de agosto, que ela vai estar no ponto ideal de maturação para tirar um vinho nessa qualidade, a gente tem feito análises frequentes de brix, para verificar o teor de açúcar da uva, que é um brix elevado para termos um vinho potente, um vinho de boa qualidade”, assegurou.
Após a colheita, que será realizada em um único dia, as caixas com as uvas serão levadas para Espírito Santo do Pinhal, onde esta safra receberá a produção do vinho, até que a estação fabril seja feita em Passos.
“A colheita é manual, com muito critério para não estragar os frutos. Nós esperamos três mil quilos de uva que serão utilizados para a produção de três mil garrafas de vinho esse ano, numa média. Isso, nesta nossa primeira produção. Temos aqui plantados 3 hectares no nosso projeto, então o nosso projeto vai variar entre dez e doze mil garrafas por ano, esse projeto Quinta do Canário”, contou o empresário explicando que esta produção se enquadra em pequeno produtor, focado em qualidade.
Sobre o nicho nacional de vinhos nobres, Melo salientou que o Brasil tem o surpreendido positivamente.
“A procura e o interesse também têm me surpreendido, pelo nosso projeto. O Brasil não tem um histórico muito salutar de vinho, mas isso entendemos que talvez seja porque os europeus não nos quisessem produzindo algo que eles têm milênios de produção. Tanto é que existiu o Tratado dos Panos e Vinhos, ou Tratado de Methuen – um acordo entre Portugal e Inglaterra vigente entre 1703 e 1836 e que envolvia a troca entre os produtos têxteis ingleses e o vinho português. Seu nome é uma referência ao embaixador britânico que dirigiu as respectivas negociações”, lembrou, salientando que com isso o Brasil ficou atrasado na produção vinícola.
Mas, ainda conforme Maldi, o Rio Grande do Sul tem um potencial gigantesco, com vinhos fantásticos que não devem nada para lugar nenhum no mundo, inclusive são os melhores espumantes do mundo.
“A França ainda detém o primeiro lugar, em minha opinião, por mero preciosismo folclórico, porque o espumante do Rio Grande do Sul é o melhor do mundo, melhor do que os proseccos italianos, melhor do que os espanhóis, melhor do que os argentinos”, garantiu.
Rosas e alfazemas decoram e trazem história milenar ao vinhedo
Por milênios na história da humanidade, vinho, rosas e alfazemas têm simbologias especiais e próprias nos vinhedos mundo afora. E, em Passos não seria diferente. Cuidadoso e conhecedor de vinícolas em vários locais do mundo, Giovani Maldi de Melo fez o plantio de rosas e de alfazemas para embelezar, dar bom cheiro e porque não manter a lenda de que é bom para o plantio.
Rosas e videiras convivem no imaginário, mas também nas belas paisagens de terroirs pelo mundo todo. Quem já não viu, diante das intermináveis fileiras de vinhas, uma roseira? Na Quinta do Canário tem tanto rosas, quanto alfazemas. Diz a lenda que Dionísio, deus grego do vinho, estava presente na criação da rosa, pela deusa Clóris (Flora).
Do corpo de uma ninfa, Clóris criou a flor. Afrodite teria lhe dado a beleza. Baco (ou Dionísio, na versão grega), o néctar, para formar o perfume inebriante. As três Graças, encanto, esplendor e alegria. Apolo, deus do sol, a vida. Diz-se ainda que as abelhas se aproximaram e Cupido tentou espantá-las atirando suas flechas, que viraram espinhos. De acordo com Maldi, tem também o mito que diz que se tiver alguma praga atacando o vinhedo, a roseira sentiria em primeiro plano.
“A rosa identificaria antecipadamente, mas não existe uma confirmação científica em relação a isso. Eu, particularmente, acredito apenas na questão decorativa, estética e de paisagismo”, afirmou.
As uvas
A uva Viognier é uma variedade muito utilizada na elaboração de excelentes vinhos brancos. A uva Syrah é tida como uma das castas mais antigas que existem, com uma longa história que se estende por muitos séculos. No entanto, foi apenas nas últimas décadas que essa variedade ganhou força e se tornou uma das mais cultivadas em todo o mundo.
O país líder no seu cultivo é a França, mais precisamente a região sul do país, mas o reconhecimento da qualidade e relevância dessa cepa faz com que atualmente ela seja cultivada em locais tão diferentes, como os Estados Unidos e a China e colecione admiradores por todo o globo.
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